CURTIR

terça-feira, 21 de agosto de 2012

BEM RECEBIDO E BEM INFORMADO!

Ao ingressar em A.A. recebi algumas informações preciosas que relembro agora com vocês. Fui informado que:

1. O alcoolismo era uma doença física (o que não contestei, já que estavam se manifestando em mim evidentes sintomas físicos da doença).

2. Que era uma doença mental (o que também aceitei, já que estava evidente que sob o efeito do álcool eu ficava louco, agindo de forma incompatível com os meus princípios e a minha razão).

3. Que era uma doença espiritual (e, apesar de ser, à época, ateu... eu aceitei a hipótese na base da boa vontade).

4. Que o doente manifestava compulsão pela bebida (e era verdade no meu caso, eu começava a beber de repente... num impulso... sem querer... a compulsão seria isso, não ter controle sobre o começar a beber...).

5 Que o doente era vítima de uma obsessão mental (e no meu caso também era verdade, quando eu não estava bebendo estava planejando beber, ou parar de beber, mas meu cérebro estava sempre girando ao redor da garrafa).

6. Que o doente negava a sua doença (o que também era verdade no meu caso, nunca admiti que ninguém se manifestasse sobre minha forma de beber).

7. Que a doença era progressiva (o que também era verdade no meu caso, eu estava cada vez mais afetado pelo álcool).

8. Que era incurável (e aí eu tive que acreditar no que me diziam, mas a minha experiência fazia com que eu admitisse que poderia ser verdade, eu havia perdido o controle sobre a bebida e não conseguia recobrá-lo).

9. É de término fatal, ou seja, que um alcoólico como eu só iria parar de beber morto (ou talvez internado num manicômio eficiente ou num presídio mais ou menos organizado, porque ainda ali - num hospício ou na cadeia - eu iria continuar bebendo até morrer, se tivesse chance).

Apesar de serem péssimas notícias, eu não fiquei muito desesperado com elas, já estava num ponto em que a bebida me desesperava mais do que qualquer outra coisa no mundo. Eu estava num ponto em que não conseguia mais beber, nem parar de beber, eu era simplesmente levado e percebia que qualquer coisa poderia acontecer comigo e não seria surpresa nem para mim nem para ninguém.

Reparem bem, para chegar a esse ponto eu nunca dormi na rua, nunca fui preso, nem internado por doença alguma. Mas não ficaria surpreso que uma dessas coisas viesse a ocorrer comigo. Assim, quando algumas pessoas me falaram que isso havia ocorrido com elas, eu não me choquei muito, era bom saber que isso poderia ocorrer e era melhor ainda pensar que eu poderia evitar que viesse a ocorrer comigo.

Eu recebi os fatos sobre o alcoolismo de viva voz, de pessoas que haviam vivido a experiência de beber como eu bebia então... e essas pessoas haviam saído do inferno onde eu estava, algumas haviam saído de infernos piores do que o meu e eu queria saber como fora possível para elas, e se seria possível para mim.

Naquele momento não me importei nem um pouco com o fato de estarem na sala pessoas com níveis sociais, econômicos ou culturais acima ou abaixo do meu próprio... Isso era para mim mais uma evidência de que se tratava de uma doença, tal como as doenças "de verdade" (gripe, câncer, diabetes, etc.) o alcoolismo não fazia distinções desse tipo.

Na verdade, naquele exato momento, todos naquela sala me pareciam melhores e mais espertos do que eu: eles sabiam viver sem a bebida e eu não sabia.

Vieram então as boas notícias e a primeira era a de que a doença poderia ser paralisada em sua lenta progressão até a minha morte.

E que para isso não era preciso parar de beber para sempre, mas por apenas vinte e quatro horas!

Eu quase caí da cadeira... parar por vinte e quatro horas, só!

A primeira revolução efetiva que os companheiros de A.A. me propuseram foi a de parar de beber só por vinte e quatro horas.

É evidente que eu já havia pensado e desejado parar de beber para sempre, mas sempre era um tempo grande demais para o tamanho da minha força de vontade, que era pequena demais no que se referia a parar de beber.

Depois de um porre qualquer, eu, sempre, decidia que iria dar um tempo (uns meses, umas semanas, uns dias), mas eu mal conseguia ficar horas sem beber.

Achei de tamanho adequado à minha fraqueza o compromisso de ficar sem beber só por vinte e quatro horas.

É claro que eu sabia que aquelas pessoas já estavam há muitas vinte e quatro horas sem beber e é óbvio que eu também era capaz de compreender que aquelas vinte e quatro horas deveriam ser seguidas de outras mais indefinidamente, mas eu compreendi muito claramente que não deveria me preocupar com o dia seguinte, mas só com o dia de hoje.

Os companheiros que estavam naquela sala foram muito enfáticos em me explicar que, tal como eu, eles também ficaram cansados de tentar parar de beber a partir de amanhã, que amanhã ainda não existe e ontem já passou e que, portanto, só existe o dia de hoje... e assim por diante foram colocando argumentos e mais argumentos a favor da tese das vinte e quatro horas em oposição ao nunca mais...

Mas o que me impressionou foi algo que um companheiro disse. Ele enfatizou que decorridos 4 anos sem bebida ele ainda sentia, eventualmente, desejo de beber. Quando esse desejo era imenso, o que ele fazia era dizer para si mesmo que iria beber até cair... no dia seguinte, amanhã, quando esse dia chegava, se transformava em hoje, e como ele não queria beber só por hoje, ele ia driblando o seu desejo dia após dia sem grandes sofrimentos (só para registro, esse companheiro ainda faz parte da nossa Irmandade, já completou 14 anos de sobriedade contínua e não sente mais, há alguns anos, desejo de beber).

Era simples, mas uma revolução completa na minha forma de pensar. Tudo o que eu deveria fazer era uma pequena troca no meu calendário... o que antes eu fazia só por hoje (beber) eu passaria a fazer amanhã e o que eu faria amanhã (parar de beber) eu passaria a fazer só por hoje.

Parar de beber só por vinte e quatro horas era muito mais fácil do que parar de beber para sempre e eu comecei a achar que poderia dar certo, mas a questão era que eu estava bebendo todos os dias há 10 anos (eu tinha 31) e estava bebendo desde que acordava, há pelo menos 5 anos...

Sem dúvida era mais fácil parar de beber por vinte e quatro horas do que para sempre... mas no meu caso, mesmo vinte e quatro horas pareciam ser toda a eternidade e eu tinha medo...

Os companheiros então resolveram me dar sugestões de ordem prática.

De cara me sugeriram comer doces, caso não fosse diabético, e me explicaram que a ingestão de refrigerantes e doces (açucar) me ajudaria a amenizar a compulsão física pelo álcool. Antes que eu pudesse dizer que eu não gostava de doces, quase todos me relataram que, quando bebiam, também pensavam, como eu, que não gostavam de doces, mas que depois haviam descoberto que a rejeição aos doces era uma das pequenas conseqüências do alcoolismo (o álcool e o açucar são "primos", substâncias altamente calóricas e uma grande ingestão de uma, satura o organismo de calorias e diminui o desejo pela outra...).

Na mesma linha insistiram para que eu mantivesse o aparelho digestivo cheio todo o tempo, mesmo que fosse à custa de passar todo aquele primeiro dia beliscando coisas, e me alertaram que, dali por diante, uma alimentação regular deveria fazer parte de minhas preocupações (como eu sou do tipo magro, muito magro, até hoje tenho dificuldade em regularizar minha alimentação).

Insistiram que eu deveria dormir satisfatoriamente, que insone eu estaria à mercê de uma compulsão repentina pela bebida, sem acuidade mental necessária para enfrentar a pressão da doença.

Finalmente me disseram que eu não deveria, em hipótese alguma, naquelas primeiras vinte e quatro horas, ir a qualquer lugar onde estivesse acostumado a beber. "Evite os lugares da ativa", me disseram...

No campo mental me sugeriram que fixasse na mente o meu compromisso de ficar sem beber só por vinte e quatro horas, nada mais.

No campo espiritual... Bem, no campo espiritual estava ocorrendo uma verdadeira revolução dentro da minha cabeça, algo de muito importante estava acontecendo desde a véspera deste primeiro dia e eu vou ter que contar por partes porque foi tudo muito, muito significativo para mim e os detalhes estão gravados no meu cérebro, como se fosse uma tatuagem na carne.

Eu não sei se vocês ainda estão lendo, nem mesmo sei se estarão gostando ou detestando, mas vou continuar escrevendo. Aprendi em A.A. que pode ser, mas não é muito provável que eu consiga ajudar alguém com minhas palavras, mas que eu sempre vou conseguir me ajudar contando a minha história, e como pelo menos eu quero continuar por mais vinte e quatro horas sem beber, eu vou continuar.

(ARMANDO, Rio de Janeiro/RJ) Vivência nº 60 - jul/ago 1999             Colaboração, Grupo Carmo Sion de AA

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